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ENTRADA PRINCIPAL DO REGIMENTO DEODORO - ITU SP |
O ano era 1978, e eu então com 18
anos, e como todo jovem brasileiro ao completar esta idade, obrigatoriamente,
tem de fazer o alistamento militar.
No início, somente exames de
rotina e á medida em que o ano passava, mais carimbos iam sendo acrescentados
na ficha de inscrição.
Confesso que não estava
preocupado em servir, pois como trabalhava num escritório de um industriário de
expressão na minha cidade, acreditava que isto me proporcionaria um “salvo conduto” e que na hora H, ele
haveria de me livrar daquela obrigação.
Só não contava que assim como eu,
outros muitos estavam com a mesma certeza, e tinham também seus salvadores da
pátria !.
O quartel do exército brasileiro
em Itu é majestoso, construído no século IXX pelos Jesuítas e onde funcionou o
Colégio São Luiz, que mais tarde vendeu para o exercito as instalações e
mudou-se para São Paulo.
O quartel em 1978, chamava-se Regimento
Deodoro – 2o. GAC AP – Grupo de Artilharia de Campanha Auto
Propulsado, aquela cujos carros de guerra são enormes maquinas que andam sobre
lagartas.
Mas voltando a convocação,
estávamos em mais de 1000 jovens no imenso pátio interno e de pé, aguardando a
chamada final, já que todas as etapas anteriores haviam sido cumpridas, agora
era a hora de saber se iríamos ficar ou seríamos dispensados. Nem precisa dizer
que o clima era tenso entre todos.
medida em que os nomes iam sendo
anunciados no alto falante, os “escolhidos” se dirigiam ao grupo indicado, que
depois de completo com o número de recrutas previsto, normalmente 60 em cada
divisão, eram conduzidos para o interior do quartel. A cada nome anunciado,
alivio era notório em todos ali presentes.
Naquele primeiro dia, muitos
foram chamados, mas meu nome não foi anunciado.
Seriam 5 dias seguidos com a
mesma rotina e toda manhã, teríamos de estar no local marcado, as 07:00 horas em ponto.
E assim foi até a 5a.
feira daquela semana, penúltimo dia em que as vagas foram sendo preenchidas dia
a dia.
E nada de meu nome ser anunciado.
A 6a. feira seria o
ultimo dia, e na dispensa da 5a. feira, o Oficial do dia nos dirige
a palavra, dizendo: amanhã é o ultimo dia e é só comparecer aqui e se não for
chamado, podem voltar para casa e depois vir buscar o certificado de “dispensa
por excesso de contingencia” . A probabilidade de vocês serem chamados é
remota, pois já fizemos todas as substituições necessárias.
Excesso de contingencia é o nome
dado para aqueles que foram convocados, passaram nos exames médicos, mas não
chegam a servir a pátria.
O nome pouco importava, o
importante era sair logo dali pensava.
Então na 6a. feira, 7:00
h em ponto, meia dúzia de rapazes aguardando no mesmo local de sempre e só
poderia ser a dispensa. Eu já pensava até na festa da noite, para comemorar
tudo aquilo.
Chega um Oficial que não me lembro
mais o nome, e se põe na nossa frente, como o fazia todos os dias:
- Senhores, hoje é o ultimo dia e teremos de
chamar somente 2 nomes, para reposição.
- Tensão total, afinal ninguém esperava mais nome
algum.
-
Os que não forem chamados, podem dar meia volta
e sumir daqui.
-
Retornem daqui a um mês pegar o certificado.
Silencio total no pequeno pátio
que fazia frente a escada onde o oficial lia todo dia o nome de quem era
chamado.
Eu pensei, ótimo, tem vários
recrutas aqui que querem servir, pelo menos vão ficar felizes.
-
Chamou o primeiro nome, que nem me lembro quem era, e depois, emendou...
- Sergio Luis Pires.
Não poderia ser verdade aquilo
-
Como, poderia repetir, indaguei?
-
Sergio Luis Pires, gritou, e ainda emendou: por
acaso você é surdo?
-
Não, não sou surdo moço, sou eu mesmo.....
-
E eu não sou moço, sou oficial do exercito
brasileiro seu incompetente, bradou em alto e bom som!!.
-
O restante, esta dispensado....
-
Pegue este papel, siga por este corredor até o
final, atravesse o pátio, dobre a direita e apresente-se ao Oficial do dia na a
1a. Bateria.
Conforme ia caminhando pelo
corredor, ainda dava para ouvir os gritos de euforia, hurras, daqueles jovens
que lá ficaram e não foram escolhidos.
E eu não acreditava no que havia
acontecido, fui o ultimo a ser chamado, todos os outros que lá estavam comigo,
dispensados.
Puta que pariu, mas porque fui o
ultimo?
Sou um azarado mesmo, como pude
ser o ultimo de 600 recrutas.
Só comigo que acontece isto.
Isto não poderia estar
acontecendo comigo... não é possível.
Um ano perdido, teria de parar
com os estudos.
Perderia meu emprego pois
certamente haveriam de colocar outro no meu lugar
Deixaria de receber meu salário,
e tudo isso para ficar um ano servindo a Pátria??. Que Pátria coisa nenhuma, eu
queria era ter ido embora....
Lentamente, cobri a distância
entre a portaria e a dita 1a. bateria.
Me apresentei ao oficial, que
rapidamente me colocou “em forma”, junto aos demais 58 recrutas que já estavam
ali desde 2ª. feira.
-
Senhores, esqueçam sua vida particular lá fora,
há partir deste momento, vocês fazem parte do Exército Brasileiro, vão ficar
aqui um ano ou mais, vão lutar e se preciso, dar a vida por sua pátria.
-
Sua liberdade será há partir de hoje, conduzida
por nós, não haverá folga, nem autorização para saída em finais de semana para
os próximos 60 dias, passem no barbeiro, cortem esta cabeleira ridícula que
vocês tem hoje, e apresentem-se aqui na 2a. feira, 6 horas da manhã.
-
Gostaria de lembrar que quem não se apresentar,
vai ser buscado em casa pelo Polícia do Exército e já ficará preso por uma
semana.
-
Dispensados !
Estas palavras pronunciadas de
modo pouco gentil, selou de vez o meu destino naquele ano de 1979, e entravam
como espadas em meu corpo, mas, não havia o que fazer.
Gostando ou não, eu era agora um
soldado do exército brasileiro e teria de conviver com isso pelos próximos 10
meses, no mínimo.
Chegando em casa, contei a minha
avó minha agonia, e ela me disse meigamente:
-
Eu acho tão bonitos os soldados, e ainda mais
você, alto assim, vai dar um soldado muito bonito.
Ao invés de lamentar, ela via
isto com orgulho.
Ter um soldado na família era
tudo o que ela queria.
Só minha nona mesmo poderia me
dar ânimo naquele momento.
E contou para todo mundo que eu
seria um soldado, como que comemorando o fato e como que adivinhando o quanto
aquilo seria bom para minha vida.
Como sempre, a Nona via tudo de
forma positiva, nunca da maneira negativa. Esta era o maior dom de minha avó e
por isso, minha admiração por ela é eterna.
E foi assim que entrei para o
Serviço Militar, no Exercito Brasileiro, e que depois de passado um ano, eu
pude ver o quanto estava errado em não querer servir...........
O ano passou rápido, e aprendi
muitas coisas no Exército Brasileiro.
Dentre muitas, aprendi a
trabalhar em equipe, aprendi a respeitar o limite do próprio corpo e o limite
das outras pessoas.
Aprendi que uma equipe é como uma
corrente, onde sua força se mede não pelo elo mais forte e sim pelo mais fraco,
e que, é preciso saber reconhecer onde esta o elo mais fraco, não para
eliminá-lo, mas sim para fortalecê-lo.
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OBUSEIRO 105 MM M108 QUE FAZIA PARTE DA MINHA DIVISÃO |
Aprendi que um comandante para
ser respeitado não precisa gritar com sua tropa, e sim mostrar o caminho e
caminhar junto com ela.
Aprendi a respeitar as
diferenças, a conviver com idéias que embora não fossem as minhas, mas que me
convenciam que era o melhor caminho naquela situação.
Aprendi o quanto é importante o
valor da palavra, aprendi a oferecer confiança e confiar nos outros quanto se é
preciso.
Aprendi que não existe nenhum
problema sem solução, e que a tenacidade, aliada a estratégia, podem vencer
qualquer dificuldade ou barreira.
Aprendizados estes que, embora
não soubesse na época, seria de grande valia para minha carreira profissional
no futuro, e que, como no exército, tive de lutar em várias batalhas e pude
aplicar o conhecimento adquirido no passado.
Em novembro de 1979, fui
dispensado na primeira baixa, como Reservista de 1a. Categoria.
Hoje me orgulho muito de ter
servido a pátria, me orgulho por ser um reservista.
O exército brasileiro é uma
instituição séria, e os oficiais cumprem o seu dever, embora com soldos ainda
baixos, mas com bravura e respeito à pátria.
Saí pelo mesmo portão que entrei,
só que mais forte, mais determinado e com o sentimento do dever cumprido.............
E neste final de semana, depois
de exatos 40 anos, voltei a este mesmo quartel em Itu-SP, que agora se chama 2º.
GAC L Grupo de Artilharia Leve, em um evento denominado VOLTA A CASERNA, onde
as portas do quartel se abriram para que todos os reservistas que ali serviram,
pudessem retornar a aquele mesmo pátio, rever amigos que serviram juntos e
matar um pouco a saudade daquela juventude exuberante e feliz que ali passei.
Ao entrar pelo mesmo corredor,
parece que o tempo voltou como quando tinha 18 anos. Os mesmos ladrilhos no chão,
as mesmas portas, o mesmo cheiro, tudo
ali novamente.
Ao chegar ao portão de acesso ao
pátio, uma visão maravilhosa ali na minha frente, tudo impecavelmente limpo e
organizado e sei exatamente como aquilo é mantido, pois por muitas e muitas
vezes. também ajudei a pintar as guias, a varrer o chão para deixar tudo limpo
e organizado.
E devagar, o povo foi chegando,
homens que um dia com sua exuberante forma física ali passaram, retornavam
agora já mais experientes, com o corpo não tão em forma assim, mas uma coisa
que percebi que não mudou em nenhum daqueles homens ali perfilados foi o
sentimento de orgulho da Pátria, orgulho do nosso pais, orgulho de ter sido
soldado do exército.
Refizemos o juramento do soldado,
exatamente como havíamos feito há tanto tempo atrás, cantamos o hino do
exército com a mesma entonação que fazíamos sempre que havia uma data especial,
e para finalizar, o desfile, marchando
em passos firmes, cadenciados, juntos.
CABO PIRES - SERVIU EM 1948 E AINDA EM FORMA. ACHO QUE PODE SER MEU PARENTE POIS TEM O MESMO SOBRENOME !! |
E ali estavam gerações e gerações
de soldados, perfilados lado a lado, orgulhosos de ali estarem e novamente
poderem dizer em alto e bom tom: Somos Soldados do Exército Brasileiro !!!
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ORGULHO DE TER SIDO SOLDADO DO EXERCITO BRASILEIRO |
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NA FORMATURA, LEMBREI DE MINHA QUERIDA E INESQUECIVEL NONA.... |
Ao sair, me lembrei da minha
nona, e ela tinha razão em dizer para mim que tudo seria maravilhoso, e que me
orgulharia disso.
Sem dúvida alguma, foi um dos
grandes momentos de minha vida ter retornado a Caserna, e de ter revivido
momentos que marcam nossa passagem por este tempo.....
Itu, SP,
19 de agosto de 2018
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