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Entrada do Sítio de meus pais, ao fundo, o velho Jataizeiro me esperava |
Natal de 2017, e quarenta e oito
anos se passaram desde que deixei para traz o sitio onde nasci e onde passei
parte de minha infância.
Ainda estão bem nítidas as imagens
na minha memória de como era lindo aquele lugar, encravado entre outros sítios,
as plantações de uva, café, milho, arroz, tomate e tudo mais que meu pai
plantava e que, nos anos que ali passei, também fizeram parte de minha vida.
Engraçado como nossa memória
consegue captar detalhes incríveis, e mesmo após tantos anos, ainda conseguimos
quase que sentir as exatas sensações daqueles anos maravilhosos.
O cheiro da terra, das frutas, do
campo, tudo está bem guardado, como em um cofre, que de vez em quando podemos abrir
para viajarmos no tempo, tempo regresso, tempo passado que jamais vai voltar.
Meu amigo Joaquim Barbosa escreveu um dia que quando não puder mais viajar, buscará nos confins de sua memória as viagens que fez, e viajará novamente com a mesma intensidade. Acho que hoje entendi o significado deste cofre maravilhoso que temos, chamado memória.
Desde então, por diversas vezes
pensei em retornar a este lugar maravilhoso, mas temeroso que as novas imagens que
eu iria encontrar pudessem apagar as mais antigas eu sempre recuava e desistia, sempre deixava
para o ano seguinte.
Com a morte de meus pais no início
deste ano, vinha ao longo destes últimos meses pensando que talvez chegou a hora de tomar
coragem e fechar esta porta ainda aberta, pois ou faria agora, ou talvez jamais
retornasse a esta minha origem.
Tomei o rumo da Taperinha, bairro
distante 20 km do centro de Itu para o início desta que seria uma das mais fascinantes viagens que fiz ultimamente.
Logo no início do caminho vi as
primeiras mudanças, e eram grandes. Onde antigamente eram estradas de terra,
poeira e buracos, agora é uma estrada vicinal asfaltada, os postes de
luz ao longo da rodovia, mostravam que ali já não se utilizam mais as lamparinas
a querosene, muito menos os lampiões de gas que usávamos na minha época, hoje é tudo
eletrificado.
Paisagens um pouco diferentes
devido ao longo tempo que se passou, afinal, muita coisa muda depois de 48 anos
não só em nós, mas na natureza também, e talvez nesta ainda mais, pois a mão do
homem, muitas vezes acelera este processo. Mesmo assim mas não foi difícil
de identificar onde era o início do sitio.
Dali até a estrada que dava
acesso, do lado direito do carro, ia relembrando das diversas plantações
que na época meu pai cultivava e que hoje virou uma só : milho. Acho que não
existe mais aquele empreendedor corajoso que tudo semeava, e tudo colhia
daquelas terras lindas, hoje se vê uma plantação de milho, e tudo
mecanizado.
Ao nos aproximarmos da entrada do sítio, uma enorme alegria
quando pude enxergar, belo e majestoso, lindo como sempre, forte como nunca o velho Jataizeiro, arvore frondosa e
centenária e que por anos e anos, forneceu sombra para aqueles que por ali
perto trabalhavam, e na hora do almoço, se reuniam debaixo de sua
sombra para almoçarem e descansarem juntos.
Desci do carro e fui a seu
encontro. Encostando em seu tronco como num piscar de
olhos, fui transportado para o longíncuo ano de 1967, onde todos os dias ao ir
à escola, passava por aquele mesmo caminho, por debaixo daquela mesma sombra e
apanhava, debaixo de seus galhos, os seus frutos, o Jataí, que até hoje, sem
mesmo colocar na boca, sei exatamente como é o sabor. E lá estavam eles, os
frutos caídos no chão.
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O Encontro com o velho Jataizeiro me fez voltar e a um passado longíncuo |
Envelhecemos os dois, e sem nos darmos conta, depois de 48 anos, nos reencontramos novamente. Ele mais formoso do que nunca, eu talvez um pouco mais experiente. Mas senti que tanto ele como eu, nos sentimos eternamente gratos por aquele momento e, mesmo sem falar, uma árvore pode transmitir a você algo inexplicável. Foi o que eu senti. Peguei alguns frutos caídos no chão e vou tentar fazer
brotar alguma semente, se tiver sucesso, será uma enorme alegria para mim.
Nos despedimos silenciosamente,
entrei no carro, e continuei o caminho em busca da velha casa dos meus pais.
Um pouco mais a frente, o caminho
de chão batido, literalmente igual a quando era criança e logo pude enxergar a casa entre as arvores que a rodeiam.
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O caminho que leva a antiga casa de meus pais |
Parei o carro bem em frente, e
hoje já não tem mais a majestosa Seringueira que fazia sombra em toda frente da
velha casa. Alguns cachorros amarrados, uma criança brincando nos fundos do
quintal.
Havia vida ali.
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A velha casa onde nasci, velha e sofrida, mas que ainda me trouxe muitas boas lembranças |
E lá estava a nossa velha casa,
pintada de branco como sempre foi, mas já bem surrada, notei algumas trincas na parede que comparei como as rugas em meu rosto, afinal, ambos já não somos mais tão jovens assim.
Parei na escada que
dava acesso a sala, de onde avistei alguém vindo em direção a porta.
Pedi para entrar e a ele contei
minha história.
Contei que ali minha família viveu durante muitos anos, contei quem era meu pai e de sua dor ao ter de deixar aquilo tudo para traz quando mudou-se para a cidade, depois da venda da propriedade por conta da vontade dos outros irmãos, assim que meu avo morreu.
Contei que ali éramos felizes, mesmo em uma casa pequena, mas éramos extremamente felizes, contei do velho fogão a lenha onde até hoje sinto saudades das comidas que minha mãe preparava.
Arthur, Lais e Ce também entraram
comigo na pequena sala, onde minha mãe mantinha impecavelmente limpa e com o chão
brilhando. O quarto ao lado, onde dormíamos todos juntos naquela época. Ao olhar para o chão, onde o brilho de antigamente já não existe mais, me veio nitidamente a memória minha mae com um esfregão, passando cera Colmeína vermelha que dava um brilho lindo e um cheiro de limpeza que era inconfundível.
O morador é hoje um empregado da
fazenda, vive ali já há alguns anos e me pareceu feliz.
Olhando com mais atenção, vi que
o vidro da janela da sala ainda é o mesmo, um tipo de vidro que náo é liso.
Sim, é o mesmo vidro de quando era pequeno e passava os dedos em sua superfície e me lembro até hoje daquela sensação.
Fiquei ali por uns 15 minutos,
olhei para o chão da sala, e espiando mais para dentro, vi exatamente o lugar
onde minha mãe punha sua máquina de costura marca "Singer", e num piscar de olhos, a vi sentada na maquina fazendo o movimento com os pés, onde costurava minhas roupas e as de meu pai.
Saudades, muitas saudades eu senti.
Respirei fundo algumas vezes ali
dentro daquela sala, onde passei bons anos de minha infância, agradeci o
morador pela gentileza de me deixar entrar e me despedi, desejando sorte, e uma ultima olhada sabendo que ali, não mais voltaria a pisar.
Parando perto da velha porteira,
enchi dois pequenos frascos de vidro com um pouco daquela terra querida, terra fértil
e que nos deu muita alegria e sustento não só para a minha família, mas a todas
que ali viviam e plantavam e colhiam de tudo.
Um dos frascos, coloquei no
tumulo de meus pais, devolvi a eles, em um gesto simbólico, aquela que foi para
eles, muito mais do que a terra onde deu sustento a todos nós, foi para eles o
significado de suas vidas.
O outro frasco, trouxe comigo e
guardarei para sempre como recordação desta que foi a maior e a mais difícil viagem que fiz até hoje.
Uma
viagem ao passado, uma viagem em que fui
surpreendido pelo velho Jataizeiro, e
onde pude matar as saudades da velha casa onde nasci.
S.Pires
ResponderExcluirMeu amigo querido! Viajei com você em suas emoções ao retornar ao lugar em que passou a sua infância! Muita gente não olha para trás, não dá valor ao passado e nem as lembranças. Penso que essas pessoas não são tão felizes quanto nós, não têm o privilégio que temos de sentir essas emoções! Eu não as evito. Para mim essas emoções são a essência da vida, e me fazem acreditar que temos alma...
Meu querido!!! Sempre achei que as lembranças de sua infância eram algo marcante e profundo, o qual
ResponderExcluirvoce sempre teve o cuidado de guardar,carinhosamente. Tivemos o prazer de fazer parte de seu reencontro. Emoção foi o que vi em cada gesto seu . Suas memórias
não se fundiram, meu querido, muito pelo contrário, o presente e o passado vão caminhar lado a lado em seu coração. Cada momento é um momento, são vivências e vc teve a certeza disso ao pisar naquela terra, naquele chão, que tanto amor ali foi cultivado A terra que vc colheu, em vidrinhos, é a prova do amor de seu pai e de sua mãe por vcs. Tenha certeza disso. O Amor transcende tempo e lugar. A caminhada com amor se torna leve reconfortante acredite. Bjs